Me imaginei sobre um palco enorme, com muitas pessoas me vendo. Joguei a timidez no lixo, deixei atrás da porta. Fui ser um pouco eu.
Na minha imaginação eu estava num lugar publico, com muitas pessoas me vendo. Na realidade, eu estava sozinha. Em casa.
Na minha imaginação você estava lá me aplaudindo, cantando minhas músicas, curtindo minhas coreografias. Na realidade você nem sabia que eu existia. Nem sabia o poder do meu maior sonho. Mas nem eu sabia.
Na minha imaginação você era o guitarrista de maior sucesso. E era da minha banda. Além de ser o meu. Mas na realidade as coisas eram diferentes. As pessoas diziam-me que eu tinha pressa demais e que o que era meu estava guardado. Mas olha só. Estava tão guardado, mas tão guardado que eu não fazia ideia de onde estaria. Nem de quem seria.
Na minha imaginação as coisas eram como eu planejava. Era apenas eu, você, um violão ou guitarra, a nossa voz e as minhas coreografias, mas na realidade era eu, minhas músicas sem sucesso e meus sonhos. Você, seu sucesso, sua realidade.
Eu estava feliz. Eu cantava e dançava como se fosse uma criança sem medo do futuro. Eu curtia cada timbre, cada nota. Eu pulava. Gritava. Girava. As vezes tropeçava nas minhas próprias pernas, mas qual era o problema, não é mesmo? Era eu fazendo o show para mim mesma. Na varanda da minha casa. Com as portar fechadas. O som abafando o ambiente. O calor escorrendo pelo corpo. A felicidade transbordando.
Eu não sabia que o que me esperava era mais complicado. Afinal, eu estava vivendo a criança que se fazia posse do meu corpo. Na verdade, eu estava sendo eu. Um eu que poucos tinham visto e que poucos tinham conhecido.
Até que o telefone toca. Ai que raiva. Odeio ser interrompida quando estou cantando, dançando.
Fui atender, e era o meu melhor amigo. O único que me conhecia por completa. O único que sabia das minhas façanhas. O único que já tinha me visto dançar e cantar, e que tinha me aplaudido. O único em quem que eu podia confiar. O único que sabia tocar guitarra e violão tão bem quanto qualquer famoso dos meus sonhos. O único que cantava comigo. Que me cuidava. Me paparicava. E sabe o que era melhor? Ele estava presente. Ele estava ali, na outra ponta do telefone. Ele existia e eu sabia onde encontrá-lo.
Lembrei então do que tinham me dito. Que o que era meu estava guardado. E sabe que foi ele mesmo que me disse isso? Aí então a ficha caiu.
Ele, o único homem perfeito aos meus olhos, até então meu melhor amigo, era quem estava perto de mim pra me proteger. Ele estava ali, e era ele o meu bem guardado, que aos meus olhos não passava de apenas um bom amigo. Ele estava ali. Comigo. Do meu lado. Desligamos o telefone e eu voltei a cantar e dançar loucamente. Agora mais feliz ainda, por ter me dado conta de que o até então meu melhor amigo, se encaixava em todas as qualidades e defeitos do meu guitarrista, da pessoa dos meus sonhos.
Minha mãe bateu a porta de meu quarto. Foi então que acordei. Meio fora de mim ainda. Até cansada. Mas percebi que tudo não tinha passado de um sonho.
Eu estava realmente em casa, mas não estava sozinha. Eu estava no meu quarto, e não na varanda. O som estava desligado. O telefone não tinha tocado. Eu estava dormindo e sonhando. Sonhando com o meu bem guardado. Tão guardado que ainda não descobri onde está. Mas eu sei que está. Em algum lugar ele está...